Arquivo mensal: janeiro 2012

Cadê a alma?

Conta-se que uma vez, alguns Bandeirantes, no seu afã de estender as fronteiras do nosso Brasil (ainda português), adentraram as matas, tendo índios “pacificados” como guias.

Como todo bom ocidental, já naquele tempo, os Bandeirantes agiam imbuídos pela máxima: “tempo é dinheiro”. Na sua ganância de conquista, marchavam muito ràpidamente, e exigiam dos indígenas, que conheciam os caminhos da mata, pressa, muita pressa.

De repente, para sua surpresa, os índios estancaram e se recusaram a continuar.

Sentaram-se no chão e se deixaram ficar.

“Porque pararam, se ainda é dia claro?”, perguntaram os Bandeirantes.

E os índios responderam: “Caminhamos tão rápido que as nossas almas

não conseguiram nos acompanhar. Agora precisamos sentar e esperar até que

elas cheguem. Só então, poderemos continuar”.

Esta estória (que é histórica de fato) dá o que pensar!

A primeira coisa que me chama a atenção nela,  é que os índios perceberam, muito ràpidamente, no espaço de dois, talvez três dias de uma caminhada, que haviam se afastado da sua alma.

A segunda informação importante: o Tempo!

A rapidez, como algo que afasta o ser da sua própria alma.

E por último, um ensinamento: sentar e esperar.

Nós, seres humanos do sec. XXI, com certeza levaríamos muito mais tempo para perceber o afastamento da alma. E quando digo alma, não me refiro ao sentido religioso do termo, uso esta palavra no seu sentido psicológico, como ânima, psiquê  –  aquilo que nos anima, nos dá vida de fato. Dá sentido ao nosso existir.

Os indígenas puderam perceber tão rapidamente que haviam se afastado das suas almas, porque estavam acostumados a viver com elas. Logo que se afastaram delas, sentiram falta, por que estavam habituados a tê-las consigo.

Assim como nós sentimos falta do nosso carro, quando ele vai para a oficina, ou de um colega do escritório (se gostamos dele!), quando ele muda de empresa.

Muitos de nós, seres contemporâneos, costumamos levar muito mais tempo para perceber que nos afastamos da nossa alma. Que a nossa vida, no fundo,  está vazia de sentido.

Que  estamos desanimados (literalmente: sem alma).

Ah! A pressa!

A rapidez! Tudo junto agora, pra ontem!

E nos acostumamos a viver assim: fazer o que precisa ser feito. E tudo precisa ser feito logo, de preferência, JÁ!

E quando já não há o que fazer (o que é raro), ou mais frequentemente, quando desabamos cansados. Estamos vazios, muitas vezes ficamos prostrados.

Porque a pressa e a rapidez tem este efeito em nós?

Porque a pressa nos impede de pensar, e mais ainda, não nos permite sentir.

Agimos como autômatos, sem pensar, sem sentir o momento. Sem vivê-lo!

Corremos atrás da vida em vez de vivê-la.

O momento passa por nós, passa pela nossa vida…sem que o tenhamos vivido de fato.

Não desfrutamos dele.  Não percebemos o seu perfume, seu sabor, sua cor. Sua textura, sua contextura. Sua alma.

Pois cada momento tem uma alma.

Que nutre e enriquece a nossa própria alma.

Momentos realmente vividos constituem o patrimônio da alma: imagens  vívidas, experiências profundas e significativas. Sabedoria e essência. Caminho de vida. Entendimento pessoal da  Vida e do seu próprio viver. Síntese pessoal.

Como recuperar isto? Como recuperar esta capacidade de ser inteiro?

Os índios já nos mostraram o caminho: sentar e esperar a alma chegar.

A sabedoria Zen se refere à prática da meditação como: sentar na calma.

Não conheço nome melhor!

Então, vamos sentar na calma e esperar a alma chegar.

E ela chega!

O poder do Coração Gentil

Relendo Joseph Campbell estes dias, me deparei com este interessante Conto de Fadas irlandês que narra a estória dos 5 filhos de um rei que, tendo saído para caçar, perderam-se e  viram -se longe de tudo e de todos.

Logo padeciam de sede.

Saíram para buscar água. O mais velho  encontrou um poço, mas este era guardado por uma horripilante mulher: tinha os cabelos desgrenhados, sua boca tinha poucos dentes, e os que lhe restavam, estavam tortos e enegrecidos. Nariz pontiagudo e pele bexigosa. Estava coberta por horríveis andrajos, sujos e malcheirosos.

Enfim, uma figura horrenda!

O príncipe então disse à mulher que tinha muita sede e pediu para se servir do poço.

A repugnante mulher lhe respondeu: “você pode se servir do poço se me der um beijo.”

O rapaz horrorizado respondeu: “prefiro morrer de sede antes de beijar você”.

E foi embora. Sem a água!

Quando encontrou seus irmãos, apenas disse que não havia encontrado água.

O mesmo sucedeu com os outros 3 irmãos que o sucediam, mas eles disseram, cada um por sua vez: “não encontrei nada”.

Então,  chegou a vez do mais jovem dos 5 príncipes.

Ao chegar ao poço e encontrar a feia anciã, o príncipe ouviu o mesmo pedido:

“Dê-me um beijo e você poderá se servir de toda a água que quiser”.

Ao que o príncipe Niall, era este o seu nome, respondeu: “Não só te darei um beijo, como dar-te-ei também um abraço.”

Ao receber beijo e abraço, a feia figura transmutou-se em encantadora donzela,  e o príncipe,  surpreso,  perguntou:  “galáxia de encantos, podes me dizer quem és?”

E a agora maravilhosa mulher respondeu: “Meu nome é Regra Geral”.

O príncipe Niall tinha aquilo que se convencionou chamar de Coração Gentil, que para Campbell é uma característica fundamental para o sucesso na Jornada do Herói.

Mas, e aí, você que me lê,  pode estar se perguntando, mas o que significa isto, este conto de fadas de criança, na minha vida de adulto com coisas muito mais sérias com que me preocupar??!!

Joseph Campbell , mitólogo e erudito,  é também um grande mestre na arte da vida e do viver, traduzindo em termos modernos, acessíveis ao homem moderno ou pós-moderno, a sabedoria perene da humanidade. Sabedoria que se expressa com magia e beleza nos contos e mitos.

Então, como aprendi com este grande mestre…

Todos nós vivemos momentos nos quais nos sentimos perdidos na vida, sem saber para onde ir. E nestes  momentos nos sentimos sedentos, necessitamos de apoio, luz, guia e direção. Precisamos disto, com a mesma urgência que uma pessoa sedenta necessita de água.

Nossa busca por resposta e solução muitas vezes nos leva a uma situação muito difícil de aceitar. Nela chegamos, e recuamos horrorizados, talvez uma, duas ou até 5 vezes.

O que diz a sabedoria perene?

“Abrace a dificuldade. Não fuja dela! Entre em relação com ela, amorosamente”

A aceitação amorosa da vida como ela se apresenta – sua face mais feia, pode ser medonha – aciona os “poderes mágicos” de transformação contidos no Coração Gentil.

Esta é uma “Regra Geral”.

Que deve ser testada nas mais diversas situações.

Em algumas situações, as condições mudam imediatamente, quase que por encanto.

Em outras ocasiões, o mundo externo e suas condições permanecem exatamente as mesmas, mas tudo mudou. Porque nós mudamos.

E,  onde víamos uma montanha intransponível vemos agora vemos apenas uma pedra.

Talvez até uma grande rocha,mas que nós podemos, com paciência e persistência, contornar…